Após quinze anos, durante os quais a banda teve tempo para se separar, organizar uma reunião e lançar dois álbuns (um de estúdio - Everybody Loves A Happy Ending, de 2004 - e outro ao vivo - Secret World, de 2006), o Tears For Fears, da dupla Roland Orzabal (guitarra e voz) e Curt Smith (baixo e voz), está novamente no Brasil, desta vez para uma turnê de seis datas, sendo a última delas (14 de outubro) um show extra motivado pela grande procura por ingressos. A segunda apresentação da banda ocorreu na última quinta-feira, 06 de outubro (a primeira havia sido dois dias antes, em Porto Alegre), no Credicard Hall, em São Paulo, com ingressos esgotados.
Com o show marcado para às 21:30, meia hora antes sobe ao palco o canadense Michael Wainwright, acompanhado apenas de seu violão, para fazer um opening act de vinte minutos. Com voz afinadíssima e agudos muitíssimo bem direcionados, Michael apresentou material próprio de ótima qualidade. Suas melodias são muito boas e pegajosas, com alguns momentos mais depressivos. Antes da última música, Wainwright pintou o rosto de branco e vermelho, simulando uma maquiagem de palhaço, na intenção de promover seu mais recente trabalho, The Circus Is Coming To Town, lançado há menos de um mês.
Com meia hora de atraso, o Tears For Fears deu início ao show com Everybody Wants To Rule The World. O som estava absolutamente impecável, comprovando a qualidade da acústica da casa. 'Queimando' um dos maiores sucessos internacionais da década de 80 logo de cara, era notável a confiança que a banda sentia ao tocar cada nota. O público cantou a letra toda junto com Curt e, a partir dali, estava rendido. Muita gente se surpreendeu com a forma musical dos cinquentões e dos músicos de apoio: vocais, arranjos, execução, tudo impecável. A preocupação com a reprodução, no palco, de muitos detalhes presentes nas gravações originais de suas músicas demonstra a determinação da banda em fazer uma apresentação baseada, acima de tudo, no respeito pelos fãs. Houve apenas duas alterações importantes na estrutura das músicas: Advice For The Young At Heart foi encurtada, com a parte do solo omitida, e Change teve a base do primeiro verso modificada com um arranjo eletrônico.
Na segunda música, a ótima Secret World, Michael Wainwright juntou-se à banda para acompanhá-los nos backing vocals pelo resto do show, sendo um dos destaques da apresentação com sua voz afinadíssima e, em muitas ocasiões, perfeitamente feminina. Completando a banda, os ótimos Charlton Pettus (guitarra e backing vocals), Doug Petty (teclados) e Jamie Wollam (bateria). Pettus é membro ativo da banda desde 2004, ano em participou do processo de composição e gravação do álbum Everybody Loves a Happy Ending. O guitarrista também aparece, dessa vez junto com Petty, no DVD/álbum ao vivo Secret World, de 2005. A bela Afton Hafley fez backing vocals em algumas músicas, mas apareceu pouco perto da harmonia do trio Roland-Curt-Michael. Alternando músicas tocadas à exaustão pelas FMs nas últimas décadas (Sowing The Seeds Of Love, Advice For The Young At Heart, Shout, Woman In Chains, Break It Down Again, Head Over Heels) e outras menos famosas, mas igualmente boas (Everybody Loves A Happy Ending, Closest Thing To Heaven), a banda - impecavelmente ensaiada - conquistou a plateia, que cantou praticamente todas as letras.
Michael Wainwright teve colaboração efetiva para o sucesso da apresentação fazendo, além dos vocais de apoio, uma das vozes principal em Woman In Chains e Badman's Song, que são originalmente duetos. Nas duas, ele fez os vocais agudíssimos de Oleta Adams, cantora americana que participou das gravações originais dessas músicas para o disco Seeds Of Love, de 1989.
O único cover da noite foi Billie Jean. É dispensável dizer que reproduzir músicas de Michael Jackson não é coisa simples. Provavelmente foi esse o motivo pelo qual a banda optou pela 'reconstrução' do clássico de 1982, e uma reconstrução no sentido literal da palavra: tom, andamento e fórmula de compasso foram totalmente alterados. Vou descrever os passos pelos quais eu passei ao ouvir essa música no show: inicialmente, foi irreconhecível; após o início da letra, rolou uma certa sensação de estranheza; durante o primeiro verso e primeiro refrão, a testa continuou franzida, tentando entender; a partir daí, entendi a proposta da banda e comecei a curtir. Eles optaram pelo caminho mais difícil, modificando drasticamente um hit da magnitude de Billie Jean, o que sempre será motivo de controvérsia, mas conseguiram se sair bem, com a certeza do dever cumprido.
O setlist da noite foi o seguinte:
Everybody Wants to Rule the World
Secret World
Sowing the Seeds of Love
Change
Call Me Mellow
Everybody Loves a Happy Ending
Mad World
Memories Fade
Closest Thing to Heaven
Billie Jean
Advice for the Young at Heart
Floating Down the River
Badman's Song
Pale Shelter
Break It Down Again
Head Over Heels
Woman in Chains
Shout
Com músicos experientes à vontade no palco, banda de apoio perfeita,
backing vocal digno de reverência, setlist coerentemente elaborado, casa lotada
e público cantando junto o tempo todo, a apresentação foi perfeita. Quem estava
lá não viu o tempo passar e fez cara de susto quando o show acabou. Foi um show
memorável, daqueles que ficam na sua cabeça vários dias. Foi a prova de que é
possível envelhecer dignamente no meio musical fazendo música de qualidade e
oferecendo uma apresentação que tem como foco único a música, não os efeitos de
luz, a tecnologia dos telões ou as pressões da mídia e do público. Aprenda, U2!
Abaixo alguns links para vídeos do show no YouTube. Deixei apenas os links com os nomes das músicas porque o Blogger não está permitindo colocar os vídeos diretamente nessa página. É possível encontrar o show
quase inteiro em Full HD. É só procurar no canal do usuário que upou os vídeos
abaixo.